Resolução de Conselho de Ministros
O Programa do XXI Governo Constitucional proclama o conhecimento uma condição determinante para a promoção do desenvolvimento e do bem -estar, considerando o acesso à sua fruição um direito inalienável de todos os portugueses.
O conhecimento científico constitui um bem de maior grandeza, um bem público, pertença de todos, acessível a todos e que a todos deve beneficiar. Como bem comum, a sua promoção é crucial, devendo ter um papel central nas políticas públicas.
O conhecimento é de todos e para todos. As políticas públicas neste domínio devem ser consequentemente orientadas.
Este desígnio torna imperativa a partilha, em acesso aberto, de todo o conhecimento produzido, sobretudo quando este seja financiado por recursos públicos, garantindo a sua reutilização de acordo com os princípios internacionalmente reconhecidos.
Tornar a ciência mais aberta e acessível a todos representa um desafio coletivo, político, cultural, económico e social.
A promoção e a defesa de uma prática generalizada de Ciência Aberta significa a assunção de uma política científica comprometida com um paradigma de partilha do conhecimento, de aproximação da ciência à sociedade, envolvendo as suas diversas componentes na formulação de agendas de investigação, em processos colaborativos e participativos de investigação, na procura de respostas conjuntas aos desafios e problemas que se lhe colocam. A criação de condições e mecanismos efetivos de acesso e de partilha do conhecimento democratiza –o e contribui para a igualdade na formação e na capacitação científica, possibilitando a transferência de conhecimento e estimulando a apropriação social da ciência.
A implementação da Ciência Aberta envolve a incorporação de metodologias, ferramentas e práticas de natureza colaborativa e requer o compromisso dos diversos agentes implicados na produção, divulgação e utilização do conhecimento.
Reforça -se deste modo a transparência, a integridade e a reprodutibilidade da ciência, potenciando ainda a prática mais eficiente e sustentável da atividade científica, designadamente ao nível das suas lógicas de publicação, disseminação e comunicação. Ciência Aberta significa mais que a partilha seletiva de dados e publicações, representa a abertura do processo científico enquanto um todo, reforçando o conceito de responsabilidade social científica.
Ampliar a transferência do conhecimento científico para a sociedade e as empresas, tornando -o acessível de forma adequada, estimulará processos de inovação, reforçará o impacto social da investigação e concorrerá para a sua valorização e reconhecimento devolvendo a ciência ao seu contexto, à sociedade.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada pela Assembleia Geral da ONU, a 10 de dezembro de 1948, veio elevar ao nível dos direitos humanos o direito de participação no progresso científico. Conforme compreendido no seu artigo 27.º «Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam».
No plano supranacional, instituições como a União Europeia, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico e a UNESCO têm assumido a liderança na definição e promoção da Ciência Aberta, constituindo –se também enquanto espaços de cooperação e coordenação das várias iniciativas nacionais que têm sido desenvolvidas.
No âmbito da União Europeia esta visão tem vindo a refletir -se na elaboração de instrumentos jurídicos com impacto no incentivo à disponibilização dos resultados da investigação científica como seja a Recomendação da Comissão Europeia sobre o acesso à informação científica e a sua preservação (2012/417/UE) bem como mais recentemente a Diretiva 2013/37/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa à reutilização de informações do setor público.
Por sua vez, o Tratado de Lisboa apresenta uma base jurídica própria para a criação de um Espaço Europeu de Investigação (EEI), reforçando de forma significativa a ação da União Europeia no domínio da investigação e desenvolvimento tecnológico. Em matéria de política de investigação e desenvolvimento (I&D), o Tratado do Funcionamento da União Europeia dispõe que «A União tem por objetivo reforçar as suas bases científicas e tecnológicas, através da realização de um EEI no qual os investigadores, os conhecimentos científicos e as tecnologias circulem livremente» (a designada «quinta liberdade da União Europeia»).
A nível internacional têm sido lançadas diversas iniciativas que procuram promover a transição para a Ciência Aberta. Veja -se o caso de países como a Finlândia, Dinamarca, Holanda, Alemanha, Áustria, Estados Unidos e Japão, entre outros, que têm desenvolvido esforços no sentido da constituição de estratégias nacionais de acesso aberto, coordenadas ministerial ou interministerialmente, com forte investimento na componente formativa e de infraestrutura.
Estas ações de carácter sistémico são de vital importância, salientando a necessidade de definir as normas e a estrutura legal para a promoção e monitorização da Ciência Aberta. Tendem também a articular esforços ao nível do investimento em infraestruturas e no desenvolvimento de competências transversais, sobretudo no que diz respeito à agenda digital.
As experiências internacionais demonstram uma clara concertação política em torno da definição de políticas institucionais de acesso aberto aos resultados das investigações financiadas através de fundos públicos.
O acesso ao conhecimento e à informação, bem como o acesso à formação e ainda o direito à criação e à sua fruição, estão expressamente enunciados na Constituição da República Portuguesa, quer nas disposições que integram os direitos, liberdades e garantias (artigos 37.º, 42.º e 43.º), quer nos direitos e deveres económicos, sociais e culturais (artigos 73.º e 78.º). Ainda no plano nacional, a Fundação para a Ciência e Tecnologia, I. P. (FCT, I. P.), tem desempenhado um papel fundamental, assumindo parte substantiva do pagamento do acesso da comunidade científica às publicações científicas mais procuradas, introduzindo, entretanto, a obrigatoriedade do depósito de publicações resultantes de projetos financiados por fundos públicos no Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal, encorajando a divulgação em acesso aberto dos dados científicos por si financiados.
Todavia, tal como acontece em outros contextos nacionais, é cada vez maior a pressão financeira por parte de um conjunto cada vez mais reduzido de editoras que detêm os créditos da publicação científica. A essa tendência têm sido associados modelos de avaliação científica que privilegiam a publicação nesse conjunto restrito de revistas, muitas vezes em detrimento de outros critérios de avaliação porventura mais adequados em determinadas áreas científicas.
Do ponto de vista legislativo, o maior impacto em matéria de acesso aberto resulta do Decreto -Lei n.º 115/2013, de 7 de agosto, que prevê que as teses de doutoramento, os trabalhos de investigação já objeto de publicação em revistas com comités de seleção de reconhecido mérito internacional, as obras ou realizações com carácter inovador e as dissertações de mestrado ficam sujeitas ao depósito obrigatório de uma cópia digital num repositório integrante da rede do Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal, operado pela FCT, I. P., e que veio ser reforçada com a entrada em vigor do Regulamento Técnico de Depósito de Teses e Trabalhos de Doutoramento e de Dissertações e Trabalhos de Mestrado, através da Portaria n.º 285/2015, de 15 de setembro.
Também no Regulamento Específico do Domínio da Competitividade e Internacionalização, no âmbito do Portugal 2020, é mencionada a necessidade de «assegurar, em condições a definir, acesso livre e gratuito a todas as publicações científicas (peer -reviewed) geradas no âmbito do projeto de I&D» (artigos 75.º e 120.º) A tudo acresce a relevância da produção científica em língua portuguesa, o interesse de proporcionar a maior amplitude à sua valorização e disseminação no plano internacional e em particular entre os países que têm a língua portuguesa como expressão oficial, promovendo o diálogo e a partilha comum entre os repositórios digitais de conhecimento entre os países da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa.
A promoção da Ciência Aberta é também uma expressão de afirmação da identidade nacional, uma forma poderosa de contribuição para a valorização e reconhecimento da ciência portuguesa e um estímulo à sua constante ampliação e renovação e um meio privilegiado de política externa cultural e científica.
O acesso à ciência e ao conhecimento é indispensável a uma sociedade mais informada e mais consciente do Mundo que habita, contribuindo para a tornar mais humana, mais justa e mais democrática e onde o bem -estar seja partilhado por todos.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 — Aprovar, como princípios orientadores para a implementação de uma Política Nacional de Ciência Aberta, que o Estado e as outras pessoas coletivas públicas que integram a sua administração indireta assumam, no desenvolvimento das suas atribuições:
a) O acesso aberto às publicações resultantes de investigação financiada por fundos públicos;
b) O acesso aberto aos dados científicos resultantes de investigação financiada por fundos públicos;
c) A garantia da preservação das publicações e dados científicos por forma a permitir a sua reutilização e o acesso continuado.
2 — Estabelecer que seja prosseguido um esforço de divulgação e discussão pública sobre os objetivos e as prioridades a considerar na configuração de uma Política Nacional de Ciência Aberta, do qual deve resultar uma Carta de Compromisso para a Ciência Aberta em Portugal;
3 — Mandatar o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior para criar um Grupo de Trabalho Interministerial que tem como missão apresentar, até ao final de 2016, uma proposta de Plano Estratégico para a implementação de uma Política Nacional de Ciência Aberta e que tem como principais objetivos:
a) Elaborar um diagnóstico sobre o estado atual das práticas de Ciência Aberta em Portugal;
b) Promover o debate público em torno das problemáticas associadas à Ciência Aberta;
c) Identificar as melhores práticas em torno da Ciência Aberta e desenvolver programas de sensibilização;
d) Definir indicadores com o objetivo de promover uma transição monitorizada e transparente para a Ciência Aberta.
Presidência do Conselho de Ministros, 24 de março de 2016. — O Primeiro -Ministro, António Luís Santos da Costa.